Publicitária deixa emprego fixo para fazer projetos colaborativos e diz que não há grande segredo sobre o sentido da vida: ‘é se sentir vivo, não vejo nada tão maior’

"Desde o começo eu já sabia que eu não queria colocar meu tempo para esse tipo de propósito, aumentar o consumo de uma forma sem questionar nada"
“Desde o começo eu já sabia que eu não queria colocar meu tempo para esse tipo de propósito, aumentar o consumo de uma forma sem questionar nada”

Há um ano, Mariana Pellicciari, de 27, se propôs a trabalhar com o que a faz se sentir bem: de forma autônoma e colaborativa, sem os moldes prontos do tradicional mercado de trabalho.

Publicitária, começou a carreira em agências. Apesar de gostar muito das tarefas que desenvolvia, nunca se sentiu bem com a estrutura hierárquica nem com o objetivo final do trabalho – que era sempre para promover grandes empresas ou grupos, o que vai contra suas ideias de repensar gastos e a produção em excesso de novos e produtos e mercadorias.

Resolveu sair da empresa e descobrir por si mesma como trabalhar com o que acredita. Antes, fez uma reserva de dinheiro para se virar por uns três meses, caso a coisa apertasse. Assim que deixou o emprego, também fez um curso para rever suas relações com o dinheiro e repensar gastos desnecessários.

Um ano depois, após muitos experimentos, ela criou um site com seu próprio nome (www.marianapellicciari.com.br) onde coloca os trabalhos que, aos poucos, descobriu que gosta de fazer. Atualmente promove tanto eventos para repensar o consumo no mundo como presta serviços de comunicação para empreendedores que tenham valores parecidos com o dela.

Sem chefe nem dono da empresa

O caminho que Mari escolheu foi começar a trabalhar como autônoma, participando de redes e espaços de trabalhos colaborativos – onde pessoas com interesses em comum se juntam para colocar ideias em prática, desenvolvem projetos e criam eventos para promovê-los.

Mari revelou chegou a trabalhar em empresas e depois ficou três anos e meio em uma agência de publicidade. Até gostava do clima e da equipe, contudo, a finalidade do trabalho e as estruturas pré-definidas a incomodavam.

“Desde o começo eu já sabia que eu não queria colocar meu tempo para esse tipo de propósito, aumentar o consumo de uma forma sem questionar nada, mas eu adorava o que fazia, e eu fiquei nesse conflito e por isso fiquei tanto tempo. Mas eu não gostava de fazer um puta estudo para no fim batizar um prédio novo que ia gerar mais trânsito. E aí foi quando eu decidi e comecei a me conectar com iniciativas colaborativas.”

Eu a conheci justamente quando visitei um desses espaços de trabalho colaborativo na Vila Madalena, chamado Laboriosa 89. O espaço é bancado pelos usuários. Não tem dono ou estrutura hierárquica. As pessoas se reúnem e usam o local para fazer reuniões, cursos e eventos. E contribuem com quanto podem para manter a casa funcionando.

A publicitária contou que, antes de largar o emprego para se dedicar diretamente aos seus próprios projetos, ficou um tempo dividindo seu tempo entre o trabalho convencional e tocando as demais ideias em paralelo. “Por um tempo funcionou, mas precisava ser o tempo todo, integral. Não aguentava mais ser pela metade.”

Em um ano, ela experimentou diversos tipos de projeto para tentar entender que valor entregaria às pessoas. “Eu coloco minhas habilidades no mundo que eu quero criar, enfim, e é isso. Nesse um ano experimentei projetos e estou em duas frentes, articulação de projetos que criam impacto positivo, e assessoria de comunicação para empreendedores criativos.”

Um dos projetos que criou é o “Roupa livre”, que são bate-papos, workshops, e encontro de trocas de roupas. “Não compro mais roupa há mais e um ano e meio. Para mim, entrar numa loja e pegar um negócio novinho não faz sentido, tem roupa pronta nesse mundo para quatro gerações”, explica.

Também presta serviços de comunicação para empreendedores que apostam em ideias com as quais concorda. E nem sempre é em dinheiro que recebe seu “pagamento”. Faz trocas. Por exemplo, ela presta um serviço de comunicação para sua terapeuta e, em troca, faz as sessões de terapia.

Nova relação com o dinheiro

A primeira coisa que fez após deixar o emprego fixo foi um curso para aprender a lidar melhor com o dinheiro. Não quis falar exatamente quanto por cento está gastando a menos hoje em dia, explicando que a conta não é bem essa, mas sim que sua relação com o dinheiro é que mudou.

“Eu ia e voltava para o trabalho todo dia de carro. Eu tinha os gastos do almoço e hoje, na maioria das vezes, eu cozinho. Eu não terceirizo mais para um restaurante toda a minha alimentação, eu escolho o que eu vou comer. E isso vai me dando mais propriedade para conseguir controlar os custos.”

Explicou que também aprendeu a reservar dinheiro para períodos de vacas magras. “Se estou fodida de grana, se tenho R$ 200 para comer em um mês, se vira negão. E tem coisas que você vai aprendendo e medindo. Não é que você reduz e não vai fazer mais nada da vida, não é voto de pobreza.”

Com relação à estrutura hierárquica das empresas que a incomodava, diz que a grande mudança agora é ser livre para trabalhar na função que quiser, desde que faça sentido. Citou um jantar, por exemplo, em que ajudou na organização, comunicação e serviu cerveja aos convidados.

Sentido da vida

A mudança profissional, explica, foi uma forma de praticar o que ela acredita ser o sentido da vida. “Para mim sempre foi colocar essa energia naquilo que mexe com seu coração, com aquilo que te realiza fazendo. É abrir espaço para você mudar também.”

Diz que essa ideia vale para tudo, e não só para o trabalho. “Tem a ver com essa coisa de você se sentir vivo, o sentido da vida é se sentir vivo. Então, quando você se cuida, quando você tem uma experiência que te emociona, uma viagem, um encontro com alguém, para mim é isso que faz eu me sentir viva, não é uma luz que vai chegar e falar, esse é o sentido da vida. É se sentir vivo. Para mim é eu poder ir pedalar até o parque, se emocionar, curtir, acho que tem a ver com isso, não vejo nada tão maior.”

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