Um carro velho, um taxista tagarela, a profecia de uma história de amor e um sentido pra vida: ‘é acreditar, não é? Você não tem um sonho? É correr atrás!’

Nivaldo com os pés descalços no posto de gasolina
Nivaldo com os pés descalços no posto de gasolina

O taxista Nivaldo Santana, de 51 anos, começou a viagem se desculpando pelas condições do carro. Acabara de realizar seu sonho: comprou o veículo e o alvará do táxi de um conhecido que adoecera. Só que o automóvel estava parado há algum tempo e precisava de reparos. “Aos poucos estou arrumando ele, viu?”, explicou.

O veículo andava naquela velocidade típica de quando acabou de pegar no tranco. Parecia que ia morrer a cada troca de marcha. As janelas traseiras não abriam (pense no calor abafado do Nordeste), o estado do carro por dentro não proporciona lá grande conforto e, para ajudar, Nivaldo não parava de tagarelar.

Tudo bem. Eu e minha amiga tínhamos contratado o serviço que nos levaria de Porto de Galinhas (PE) a João Pessoa por um preço relativamente inferior ao oferecido por agências de turismo. Ninguém faz milagre.

E não é que Nivaldo fez? O carro deu problema no meio do caminho, precisamos parar numa oficina mecânica para consertar e eu, em vez de reclamar, fiquei torcendo por ele.

O motorista já tinha ganhado a minha simpatia há muito tempo. Durante o percurso revelou como acabou por se casar com “a moça mais feia que conhecia” na juventude e que hoje “é a mulher mais linda do litoral”.

Enquanto contava a história de sua vida, foi guia turístico e colocou Luiz Gonzaga para eu e minha companheira de viagem escutarmos na estrada.

‘A única diversão era apagar o candeeiro e dormir’
Nascido em Cabo de Santo Agostinho em 1963, ele orgulha-se das indústrias que chegam atualmente à região – como o Complexo de Suape.

“É tanta da empresa. A cidade hoje está crescendo muito. Olha esse polo industrial! Olha essa loucura de crescimento! Para uma pessoa igual a mim, matuto [homem da roça] da região, criado na cana-de-açúcar. Era um caranguejo para cinco pessoas comerem, a gente comia banana com sal, tomava café com cana de açúcar. A única diversão era apagar o candeeiro e dormir.”

Ele e os 22 irmãos cresceram no meio das plantações de cana. Dormiam em casas de taipa (pau a pique). “Viver no Nordeste nunca foi fácil. Você quer ver pobreza? Vai para o sertão, aí você vai ver o que é gente passando fome.”

Fez da vida “um romance”, em suas próprias palavras. “Tudo o que eu não queria fazer foi o que fiz.”

Botou na cabeça que nunca vestiria farda, mas foi inspetor civil. Que nunca namoraria uma menina branca e pobre, mas acabou se casando com uma, e que jamais seria taxista.

“Botei na cabeça que só casava com uma negra daquela que para você ver a área tem que marcar com um ‘X’. Era essa mulher que eu queria. Pintou essa galega, que para amarrar o cabelo era uma caixa inteira de grampo.”

A história de amor com a “galega” (como são chamadas as pessoas de pele e cabelos claros no Nordeste) começou quando ele trabalhava como locutor de rádio, em 1982. “Eu era bonito, arrumadão, magrinho. Todas as meninas queriam entregar uma carta para eu ler na rádio e todas queriam namorar comigo.”

Ele foi olhar para a “galega”, a Selma, após o pastor da igreja evangélica que frequentava dar a profecia: “Tá vendo a sua futura esposa, é aquela ‘galeguinha’ lá. Deus falou para lhe dizer, ai de você se entrar em outro caminho.”

Na hora, Nivaldo ficou assustado: “No meio de tanta mulher bonita, a mais feia? Ela era magra, feia, cabelo de pavio, bochecha vermelha, andava com uma camiseta da Congregação. Mas era uma menina diferente, era a mais religiosa da igreja.”

‘Hoje ela é a mulher mais linda do litoral’
Selma cantava na igreja e na época Nivaldo a convidou para colocar sua voz na rádio.

Seis meses depois da profecia do pastor, ela chegou para ele, os olhos cheios de lágrimas, e fez a declaração: “Nivaldo, eu tenho uma coisa para te dizer, você deixa eu pegar na sua mão? Eu sei que é um monte de moças que ficam te dando mole. Mas eu sou diferente, sou pobre, mas tranquila e honesta, eu sou eu acima de todas as coisas”, relembrou Nivaldo.

O taxista disse que na hora pensou “ela tá sonhando?”, mas depois acabou fazendo “esses juramentos que pobre tem mania de fazer, de casar para sempre”.

Estão juntos há 27 anos. “Hoje ela é a mulher mais linda do litoral. Ela é livre, é a maior mulher que já existe. É Deus acima de tudo e ela na terra. Sem ela eu não sou nada.”

Revelou, contudo, que passou por altos e baixos com sua galega. “Passamos por uma série de coisas que não andavam. Por momentos muito difíceis, chegando a passar fome, mas atualmente as coisas melhoraram.”

‘Sou um dos homens mais felizes que existem’
Selma formou-se professora e é educadora da rede pública. Especializou-se em letras e ensina língua portuguesa. Está para se aposentar. Juntos, já viajaram para a Itália, Portugal e Buenos Aires.

Criaram dois filhos: o rapaz Rivadyne, de 23 anos, que vai fazer engenharia civil, e a moça Evi de Ane, de 25 anos – que também acaba de passar na faculdade, mas Nivaldo não lembrou o curso.

“Sou um dos homens mais felizes que existem. Minha família está criada. Minha mulher é a maior mãe, a maior filha, a maior irmã. Ela como mulher é a maior, eu como homem estou tranquilo”.

Disse que um dos sonhos que conseguiu realizar depois de adulto foi proporcionar um comércio para a mãe trabalhar. Ela morreu há pouco mais de um ano.

“A minha maior felicidade foi realizar o sonho dela. Eu conheci minha mãe vendendo confeito na estrada, achava que ela tinha o sonho de comércio. Eu disse, ‘vejo ela se realizar se eu alugar uma cantina para ela’” – o que ele fez há 18 anos. O local acabou se transformando em um restaurante onde grande parte da família trabalha hoje.

‘Você não tem um sonho? É correr atrás. A vida é essa’
E após Nivaldo contar toda a sua história naturalmente, perguntei para ele qual era seu sentido da vida: “Ô Gabi, é acreditar, não é? Você não tem um sonho? É correr atrás. A vida é essa! Quando a gente sonha, se sente realizado. Eu acho que o viver é isso. É você viver o que você sonhava, o que você correu atrás de tanta coisa para conseguir.”

Disse que hoje está realizado. “Eu acho que eu não vou me preocupar mais muito com o amanhã mais não. Sabe por que? Eu estabilizei, viu amiga, tanto na vida conjugal, social. Pronto, era o padrão que eu queria chegar. Estou realizado. Eu posso morrer agora porque a única coisa que eu queria que era comprar a praça, ter o alvará de taxista para comprar meu carro novo e viver minha vida mais tranquila. O carro novo eu compro amanhã. É um sonho realizado.”

E de repente, quando eu vi, a viagem de mais de três horas em um carro velho e com um motorista tagarela tinha chegado ao fim e rendeu essa linda história. Obrigada, seu Nivaldo.

4 comentários

  1. estive em porto de galinhas ha 5 anos atras e essa figura me serviu todos os dias, confirmo ele é tudo isso e mais um pouco, foram dias inesqueciveis

    em maio estou voltando para porto de galinhas, gostaria muito de encotra lo novamente

    voce podem me passar o contato ?

  2. Acabei lendo essa linda História e pensei que cara apaixonado pela vida, não vê dificuldade em nada, conta como sobreviveu as dificuldade, mesmo que não foi as suas escolhas mas ele aceitou e moldou a seu estilo de vida e não vê a tristeza em nada… Em meio tantas dificuldades consegue sorri e fazer terceiros sorrir!!!

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