Desde moleque ele vende flores no cemitério; e o sentido da vida é ‘fazer as coisas bem feitas, com determinação’

Donizetti trabalhou a vida toda vendendo flores no cemitério
Donizetti trabalhou a vida toda vendendo flores no cemitério

É bem na frente do cemitério, e no meio de rosas, crisântemos, lírios e diversas outras flores, que Donizetti Alves Lopes, de 56 anos, passa a maior parte da sua vida.

Foi ainda moleque que ele começou a trabalhar ajudando o pai a vender os arranjos comprados em homenagem aqueles que já se foram. Seu primeiro e único emprego.

“Minha vida toda foi aqui. Trabalho aqui desde 1971.” (fiz as contas, ele devia ter 13 anos, mas na hora ele disse que achava que tinha uns 17).

A florida banca fica na frente do Cemitério do Araçá, na Avenida Dr. Arnaldo, em São Paulo, onde estão enterradas tradicionais famílias paulistanas.

Quando cheguei para conversar com o vendedor de flores, ele separava as letras para escrever mais uma mensagem de adeus para ser colocada numa coroa.

Apesar de atender diariamente quem acabou de perder alguém, falou que nunca se acostumou com a situação. “Acho que todo mundo sente. Essas coisas ninguém se acostuma. Você pode aceitar melhor, mas acostumar, não.”

Flores para presente
Engana-se, contudo, quem pensa que só para os mortos vão as flores vendidas por Donizetti. A maioria dos pedidos, aliás, é para presentear aqueles que ainda estão por aqui. “A gente vende mais para presente do que para o cemitério.”

Para os vivos, a flor mais procurada é a rosa. “É a mais bonita e a que o povo procura mais também. Se a banca não tiver a rosa, não tem nada, né?”

Para os mortos, o que mais sai é o vaso de crisântemo. “Porque aguenta o sol. Você molhando a terra dele dura uma semana tranquilo.”

Ele disse gostar muito de flores. “Muito pouca gente fala que não gosta de flor. Acho que a quantidade de pessoas é mínima, né? A maioria gosta. Tem gente que passa aí só para olhar, ver, admirar, fazer perguntas…”

Sentido da vida: fazer as coisas com determinação, boa vontade
Estudou apenas até “o quarto ano primário” e contou que nunca nem tentou trabalhar com outra coisa. “Um dos motivos é que a profissão que eu aprendi foi essa. E o outro é que o pouco que tenho eu tirei daqui, você tem que dar valor a isso. Tenho três filhos, e mantenho eles. Tudo saiu daqui.”

Donizetti acredita que apenas gostando do que se faz é que as coisas saem bem feitas. “Porque fazer o que a gente não gosta não sai bem feito, né?”

E acha tão importante realizar bem as tarefas que foi a primeira coisa que me respondeu quando perguntei a ele o sentido da vida.

“Acho que o sentido da vida… A primeira coisa é fazer as coisas com determinação, fazer as coisas com boa vontade. Seja o que for. Sempre fazer as coisas bem feitas (…).  Tudo para a pessoa guardar uma boa imagem da gente, nunca uma imagem ruim. Porque a imagem boa sempre vai falar bem da gente para várias pessoas. Se fazer mal, vão falar para mais gente ainda. Então sempre trabalhar direito para ser lembrado, né?”

Disse que tem clientes de 20, 30 anos, desde a época do seu pai, que sempre voltam na banca. “Temos clientes antigos. Tem que valorizar isso, manter aberto para atender todo mundo.”

Perguntei para ele se existe alguma melhor forma de atender quem está muito triste porque perdeu alguém próximo. Donizetti respondeu: “da melhor forma possível”.

“É um momento que a gente tem que respeitar. Todo mundo passa por isso né, eu também já passei. A gente tem que respeitar o momento de cada um.”

As pessoas mais próximas que já precisou se despedir foram seus pais. A mãe morreu há nove anos, com 69, e o pai, há cinco, com 85. Donizetti disse que foi ele mesmo que decorou com as flores os caixões dos dois. “Eu mesmo arrumei minha mãe, meu pai, quis fazer igual eu fiz pra muitas pessoas. Do mesmo jeito fiz para eles também, porque eu acho que eles merecem.”

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