Ela era evangélica e hoje é ‘tudo o que mais tinha preconceito’: homossexual e umbandista; seu sentido da vida é ‘respeitar as pessoas’

Talita: 'Eu estava do lado que julgava e hoje estou do lado que é julgado'
Talita: ‘Eu estava do lado que julgava e hoje estou do lado que é julgado’

“Eu estava do lado que julgava e hoje estou do lado que é julgado.” Com essa declaração, Talita Oliveira, de 27 anos, tentou traduzir para mim a importância do que hoje entende como o sentido da vida: “respeitar as pessoas”.

Faz pouco tempo que ela descobriu ser homossexual. Durante dez anos de sua vida disse que foi evangélica e julgava os gays. Ela também mudou de religião e atualmente é umbandista, crença pela qual também tinha preconceito. “Hoje eu me vejo do outro lado. Eu tinha preconceito contra as outras religiões e hoje eu sou umbandista e homossexual, tudo que eu mais tinha preconceito.”

Foi meio que sem querer que eu fui parar na tarde deste domingo na Avenida Paulista. Eu estava viajando e resolvi, na volta, passar por lá para almoçar. Aí me dei conta que era dia da Parada Gay. Aproveitei para perguntar aos participantes sobre o sentido da vida.

Ela disse que o processo de se descobrir gay foi muito difícil. “Primeiro tive que me entender para poder me aceitar e só depois impor para que as pessoas me respeitassem também. Assumi para a minha família, para os meus amigos, para todo mundo.”

Talita contou que, no começo, sua revelação foi um choque para sua família, principalmente para sua mãe, mas hoje a situação já é natural. “Eles já aceitam super de boas, convivem, super tranquilo.”

‘A vida foi me levando para o lado que eu tinha preconceito’
Quando perguntei para ela sobre o sentido da vida, ela respondeu assim: “Acho que todo mundo já parou para pensar nisso. Na verdade eu fui dez anos evangélica, então para mim a vida foi me lavando para um lado que eu tinha muito preconceito. Mas a vida me mostrou que não é bem assim, que nós não podemos julgar as pessoas. Hoje estou do lado oposto, na verdade. Eu estava lado que julgava e hoje estou do lado que é julgado. É um aprendizado e acho que o sentido da vida para mim é isso, respeitar as pessoas, a diversidade, a escolha das pessoas. Você tem o direto de escolher ser o que você quiser, eu tenho o direito de ser o que eu quiser, mas eu tenho que respeitar a sua escolha, se não for igual a minha, e você a minha. Não é porque é a minha verdade que ela é única. A verdade de ninguém é única.”

Justamente por conta disso que foi à Parada Gay. “Acho importante estar todo mundo unido contra o preconceito, contra a homofobia.”

Talita disse acreditar que sua família é raridade por aceitá-la como ela é. “Eu conheço muitas pessoas que não têm mais contato com a família por esse motivo, pessoas que foram expulsas de casas, então minha família realmente é raridade.”

Talita disse que, no passado, namorava o filho de um dos líderes da igreja evangélica que frequentava. “Eu tive uma decepção muito grande nesse relacionamento e com esses líderes. Vi que eu idealizava coisas em pessoas que as pessoas não podem me dar. E hoje eu entendi isso. A culpa na verdade não era deles também, ninguém é perfeito. E com essa decepção eu vi que a felicidade não estava ali. Ninguém pode rotular a felicidade em ninguém, então rotularam uma felicidade para mim que não existia.”

“Eu descobri que a felicidade pode estar em várias outras coisas. Foi aí que eu descobri realmente a vida, coisas diferentes. Descobri que as pessoas são diferentes, que a vida é diferente, que a vida leva a gente por outros caminhos que a gente nem percebe, quando a gente vê já está lá. E foi assim que aconteceu comigo. Hoje eu estou ótima.”

Rômulo (esquerda) e Fernando disseram que ainda sentem preconceito
Rômulo (esquerda) e Fernando disseram que ainda sentem preconceito

‘Se virasse gay, eu queria desvirar’
Eu conversei também com dois amigos que foram juntos para a Parada. Fernando Cardoso, de 28 anos, e Rômulo Pelegri, de 25.

“Você já nasce, eu não acredito que alguém ‘vira’ gay. Se virasse eu queria ‘desvirar’. Se tem como virar, tem como desvirar, não é verdade?”

Afirmaram que sofrem preconceito e é por isso que Rômulo, por exemplo, acredita ser importante eventos como a Parada. “É a segunda vez que eu venho. Eu acho legal porque é bastante gente tendo orgulho gay mesmo, realmente a visibilidade da galera comemorando essa diversidade de ser gay.”

Fernando opinou, contudo, que muitas pessoas vão hoje para a Parada pela “putaria”. “Eu acho que já virou bagunça. Acho que o povo já não vem mais pelo tema de cada ano, lutar pelo tema, vem mais por putaria (…). É quase um Carnaval, para disputar quem beija mais, quem pega mais.”

Rômulo concordou, mas disse que, no caso dele, ainda consegue enxergar o fato que estão todos reunidos por um propósito. “Eu venho ainda por causa disso”, ponderou.

Sobre o sentido da vida, ambos disseram que é aproveitar o que ela tem a oferecer. “Para mim o sentido da vida é curtir bastante, porque a gente tem uma chance só para estar aqui na Terra, fazer tudo que você quiser. E fazer coisas que você vai evoluir também. Aqui é um estágio que você vai reencarnando e evoluindo, e a cada reencarnação você vai tendo esse aprendizado, e tem que curtir ao máximo”, disse Rômulo.

Glória, de Cuba:
A cubana Glória

‘Que cada um repeite o outro’
E para completar o ciclo, eu conversei também com um travesti. Glória, de 33 anos, passava alegremente pela avenida quando a abordei. Ela estava com tanta pressa que respondeu minha pergunta bem rapidinho, num sotaque que depois eu descobri ser cubano: “Alegria. Descobrir o jeito de a gente viver da melhor forma. Eu acho. Que todos possamos viver em uma comunidade que devemos viver bem e fazer o bem, que cada um respeite o outro”, afirmou a cubana, que vive há 12 anos no Brasil.

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