Há 15 anos na cadeira de rodas, Eliete aprendeu a dar mais valor à vida: ‘sou feliz, e você?’

'Não é porque estou numa cadeira de rodas que não sou feliz'
‘Não é porque estou numa cadeira de rodas que não sou feliz’

Pelas ruas do centro da cidade, uma mensagem em uma folha de papel colada atrás de uma cadeira de rodas me chamou a atenção:

“Em cima dessas rodas também bate um coração.”

O coração era de Eliete Pereira dos Santos, de 58 anos, que perdeu o movimento das pernas há 15, vítima de cisticercose.

Ela seguia logo à minha frente na calçada, acompanhada de Jack, seu cão de estimação, de 16 anos. Obviamente que eu a interrompi para saber se aceitava contar sua história.

Sorridente, Eliete me disse que nasceu no sertão baiano, na cidade de Palmas de Monte Alto, mas vive sozinha na capital paulista há 40 anos. Revelou que antes da doença tinha uma vida normal. Trabalhava como instrumentadora cirúrgica e esteticista.

Jamais imaginou que um dia viveria numa cadeira de rodas. No começo, disse, foi muito difícil aceitar a nova realidade. Ficou deprimida, com depressão. Não saiu de casa por um ano. “Não tinha vontade de nada. (…) Eu ficava pensando, meu Deus, como vai ser minha vida numa cadeira de rodas?

Certo dia, viu no jornal o depoimento de um menino na cadeira de rodas e buscou o contato dele. Eliete não tinho amigos cadeirantes e queria saber como era a vida “sobre rodas”.

Ligou para o rapaz. Fez amizade e soube de um encontro de cadeirantes que aconteceria nos dias seguintes. Mesmo sem companhia, Eliete criou coragem e foi sozinha ao ao encontro.

“Cheguei lá, encostei minha cadeirinha e fiquei. Aí, vinha uma pessoa falar comigo, outra…” De lá para cá, Eliete disse que nunca mais deixou de criar ânimo para sair de casa. “Não é porque estou numa cadeira de rodas que não sou feliz.”

Vive sozinha até hoje, não casou e não teve filhos. A família dela inteira mora na Bahia, mas Eliete não consegue deixar São Paulo – já foi para lá três vezes com as mudanças e nas três mandou as malas de volta, relatou.

“Às vezes digo que eu sou baiana com orgulho, mas sou paulista de coração. Moro aqui no Centro. Onde eu passo todo mundo me conhece, todo mundo sabe quem eu sou”, afirmou. “Eu faço coisas que muita gente não faz. Eu tenho uma vida, eu moro sozinha em São Paulo. Adoro essa cidade, é maravilhosa.”

Aprendeu a se virar sozinha e batalha pelos direitos da pessoa com deficiência. Faz denúncias na prefeitura quando vê irregularidades nas calçadas. Buscar informações sobre seus direitos. Envolve-se com políticos.

'Às vezes eu coloco uma frase assim na cadeira: sou feliz, e você?'
‘Às vezes eu coloco uma frase assim na cadeira: sou feliz, e você?’

“Às vezes as pessoas dizem assim, ‘ah, estou numa cadeira, a vida acabou’. Não, a vida continua, a vida para mim continuou (…). Eu nunca questionei a Deus. Eu agradeço a Deus todo dia, porque eu me sinto, me acho uma pessoa feliz. Às vezes eu coloco uma frase assim na cadeira, ‘Eu sou feliz, e você?’”

‘A vida é maravilhosa’
Eliete não conseguia dar outra resposta sobre o sentido da vida que não fosse dizer que a vida é maravilhosa. “Eu falo isso, a vida é maravilhosa. Isso depende muito de você. Tem pessoas que não gostam de si próprias. E quem não gosta de si próprio, não gosta da própria vida. Eu adoro a vida, me adoro, adoro viver. Todo o dia eu agradeço a Deus pela vida.”

Eu já tinha entendido que ela adorava a vida, mas tentei tirar dela qual era o intuito, o objeto de estar no mundo, na opinião dela. Mas Eliete revelou que nunca tinha pensado sobre o sentido da vida por esse aspecto e nem quis pensar. Ela aproveita o máximo de cada dia.

“Eu gosto de sair, de ir para o teatro, de ir para eventos. A vida, por isso que eu falo, é maravilhosa, tem que viver a vida. Não lembra aquela novela que o deficiente dava um depoimento? Aquela novela chamava “Viver a vida’ e eu participei dando um depoimento”, afirmou.

Para ela, a vida tem que ser aproveitada a todo momento. “Você ficar o dia inteiro na cama, dormindo, o tempo está passando e você não está vivendo. Você está perdendo de viver, tem que aproveitar todos os momentos da vida. Eu penso assim, cada um tem uma maneira de pensar.”

E foi depois que ficou cadeirante, na verdade, que Eliete diz que passou a ver mais a beleza da vida. “Eu era animada, mas eu nunca imaginei que um dia eu pudesse ficar numa cadeira de rodas. Então a deficiência e a cadeira de rodas… Eu aprendi muito com isso, a dar valor mais a vida.”

Revelou que antes dedicava muito tempo ao trabalho. “Meu nome e meu sobrenome era só trabalho, eu trabalhava muito. E no final de semana eu mal tinha tempo mal para ir ao cabeleireiro. E na segunda-feira eu estava no trabalho às sete horas da manhã. Atualmente eu já faço outras coisas. Vou nos eventos que têm na cidade, no centro. Vou ao teatro. Faço um monte de coisa sozinha. Minha acompanhante fica em casa, quem me acompanha é meu cachorro e Deus”, disse. Revelou, aliás, estar preocupada porque o Jack, o cão, está velhinho. “Eu nem quero pensar.”

2 comentários

  1. Quando sofremos um acidente ou somos acometidos por uma doença a vida muda completamente de direção!
    Isso não nos impede de vivermos a vida de forma plena,adaptando alguns recursos e mudando certos hábitos. Sempre com muita fé e agradecendo sempre à DEUS,pois quando a vida muda de direção, talvez seja a oportunidade de ver a vida de outra forma !

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