Adeus encruzilhada: administrador se torna artista em tempo integral

Chico Suman
‘O maior desafio da minha vida agora é ser administrador do artista que sou’

Sobe ao palco na concha acústica do Central Park, em Nova York, o cantor, compositor e guitarrista paulistano Chico Suman. De óculos escuros, jaqueta de couro, camisa xadrez e a irreverente barba comprida, abre o show com Livin’ Alone, uma das belas canções que compõem seu novo disco, Death and Life. O lançamento é um sucesso. O show termina com um público emocionado e conectado com as músicas, pedindo bis.

“É um sonho utópico”, avalia o artista, ao descrever o local onde desejaria um dia poder tocar. Fã de Beatles desde criança por influência do pai, a inspiração vem do videoclipe da canção Mind Games, lançada por John Lennon em 1973. No clipe o astro caminha em meio às árvores do Central Park e, em uma das cenas, brinca de fazer poses em cima da concha acústica.

Apesar de a descrição que abre este texto aparentemente ilustrar apenas uma utopia, na verdade não é bem assim. Com exceção da localização, praticamente todo o resto tem se concretizado a cada novo show que Suman faz na capital paulista desde meados de 2017, quando as canções do álbum foram oficialmente apresentas ao público.

Quem o vê no palco, contudo, jamais imaginaria a saga percorrida para que o sonho de viver de música se tornasse realidade. Os atentos podem encontrar algumas pistas nas próprias letras – e sons – das músicas compostas por Chico. O novo álbum, cujo título significa “Morte e Vida”, praticamente compõe uma narrativa autobiográfica do músico, que literalmente “renasceu” no último ano: abandonou uma carreira promissora que tinha como administrador de empresas para se dedicar, de forma desafiadora, a administrar a carreira do artista que sempre foi.

Músico desde criança

Formado em administração, Chico atuou por quase 20 anos em grande empresas multinacionais em São Paulo, chegando a assumir cargos de gerência na área financeira. Paralelamente, contudo, sempre foi músico: tocava em casa, com amigos ou em festivais aos finais de semana.

A vida dupla ocorreu por quase duas décadas. No ensino médio, enquanto aprendia a tocar guitarra, fez um curso técnico em Ciências Contábeis pensando em uma formação que lhe possibilitasse um bom emprego no futuro. “Nunca me esqueço de um conselho que meu pai me deu: ‘se um dia você não tiver emprego, põe uma placa na garagem falando que você faz Imposto de Renda’”. A faculdade de administração veio automaticamente, como complemento do técnico.

A paixão pela música, contudo, existia desde a infância. Aos 7 anos, sua brincadeira preferida era fingir tocar guitarra na companhia do irmão caçula – Vitor Suman, 2 anos mais novo. No início, qualquer coisa servia de guitarra – inclusive um arco e flecha de plástico, mas logo os irmãos ganharam dos pais uma mini guitarra e um violão de brinquedo para se divertirem ao som do Rock and Roll que saía da vitrola de casa.

Ambos cresceram ouvindo as músicas da coleção de discos de vinil do pai, o que incluía Beatles, Rock and Roll e artistas brasileiros. “Todo sábado e domingo de manhã meu pai ouvia um som e a gente ouvia junto”. Por conta disso, a principal influência de Chico sempre foi o Rock and Roll dos anos 70, como Beatles, Bob Dylan, Creedence, Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple.

A primeira guitarra “de verdade”, uma Washburn preta, ele ganhou na adolescência. Porém, mal as aulas com o professor de música começaram a avançar e a grande paixão foi perdendo espaço para o trabalho, a faculdade, o estágio, o terno e a gravata – o primeiro emprego apareceu no meio do colégio, no ano de 1998.

Competição consigo mesmo

“O meio que você vive faz você criar a imagem na sua cabeça daquilo que você quer. Na faculdade de administração, qual é o assunto mais comum? Conseguir um bom emprego. Então a competição naturalmente foi se criando de mim comigo mesmo. Eu sempre estava procurando um emprego melhor do que o que eu já tinha.”

Assim, a música se tornou uma válvula de escape: ele tocava quando chegava em casa ou com amigos. “Era um hobby, uma atividade que eu dava valor. Era a ‘meditação’ do dia.” Por conta disso, em 2005 ele criou uma banda com o irmão, que tocava baixo, chamada Suman Brothers. Eles se apresentavam em barzinhos aos finais de semana ou durante a semana à noite, após o trabalho.

Enquanto isso, a carreira profissional disparava. Em 2007 Chico foi admitido para o time de auditoria de uma grande multinacional automobilística no ABC Paulista, o sonho de qualquer jovem da sua época – inclusive o dele.

Nos primeiros dois anos, aliás, garante que foi apaixonado pelo trabalho. Até que, aos poucos, frustrações foram surgindo, ao ponto de ele se descobrir perdido dentro da própria vida que havia construído para si. Chico não se identificava com o ambiente de trabalho – que revelou-se imutável. “Parecia que eu estava acordando no mesmo dia todos os dias.”

Nessa fase, revelou, sem a possibilidade de usar seu potencial criativo na empresa, descontava toda ansiedade e descontentamento profissional em coisas externas, como bebida, cigarro e comida, chegando a ganhar 30 quilos. “Virei mais um personagem revoltado com a fábrica, mas que não tinha coragem de sair.”

Vontade de ser feliz

Era a música que devolvia a ele o gosto pela vida. Em 2012, tocou com seu irmão na Virada Cultural na Cidade de São Paulo. Pouco depois o irmão saiu da banda para correr atrás de outros desafios e Chico chamou amigos músicos para tocar com ele, já com o nome de Chico Suman.

Tocaram em importantes festivais, como o Samsung Best of Blues em 2013 e o Festival de Inverno de Paranapiacaba em 2014. “Querendo ou não, a minha essência ficava reprimida no trabalho até o momento que eu ia tocar. Quando eu subia no palco, jorrava aquela vontade de ser feliz.”

Até que não teve jeito: o coração começou a falar mais alto e em 2015 Chico tomou coragem e saiu do “emprego dos sonhos” rumo a uma colocação que lhe permitisse dedicar mais tempo à música. Trabalhou como gerente financeiro em uma agência comunicação até que, em 2017, após o confronto com uma demissão de certa forma esperada, percebeu que chegava a hora de deixar o artista renascer.

“Fui para o estúdio e disse a mim mesmo: vou gravar meu disco de música autoral.” Com músicas guardadas, resolveu dar a si um presente: construir com o coração e com a cabeça o melhor trabalho possível, juntando sua sensibilidade de artista com o pensamento técnico que sempre usou como administrador.

O encontro dos ‘dois Chicos’

Desde então, Chico Suman vem aprendendo a ser o produtor de si mesmo. “Eu sinto que as pontas vão se unindo (…). Estou encontrando um jeito de equilibrar o meu lado pessoal e o profissional de maneira que eu seja um só. É um encontro. O maior desafio da minha vida agora é ser administrador do artista que sou.”

O disco marca justamente essa busca pelo encontro dos dois Chicos. “Se eu conseguisse resumir toda a minha trajetória de luta entre a sensibilidade e o racional, toda vez que eu quis fazer prevalecer um sobre o outro, eu quis matar o outro.” Ou seja: sempre que buscou ganhar muito dinheiro e trabalhar muito, o lado artístico ficou de lado. E toda a vez que ele se sentia feliz ao desempenhar o trabalho musical, ele não ligava para o dinheiro.

É por isso, explica, que o disco se chama Death and Life: “A morte e a vida andam juntas. ‘Death and life walk together’ é o refrão principal da musica principal do disco, que é Keep the light on, ou seja, deixe a luz acesa.”

Chico Suman entrega o que tem de mais precioso no álbum. Cada música revela um pouco sobre toda a sua caminhada. “O disco, como todas as músicas, falam de reencontro, despedidas, acreditar em si mesmo.”

Antes, explica, era o dinheiro que o levava ao querer: ele fazia o que fazia para ter dinheiro e depois pensar no que realizaria. Ao viver só de música, está buscando ficar livre dessa “droga” (o dinheiro). “Agora, penso assim: o que eu quero sem dinheiro?”

O grande desafio, revela, é conseguir se comunicar com o público por meio da música, conseguir se conectar com as pessoas além da fala. “Eu estou querendo compor, cantar, tocar e transmitir a ideia de que existe um lugar na sua imaginação onde você pode se sentir em paz. É isso que eu quero fazer com a minha música”, garante. E conclui: “não sei onde isso vai me levar, mas tem me levado ao encontro comigo mesmo, e a cada dia que passa eu tenho chorado menos e sorrido mais com isso.”

Quem quiser buscar essa conexão por meio da narrativa autobiográfica musical de Chico Suman, basta ouvir suas próprias músicas. Conheça:

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Chico Suman
‘Agora, penso assim: o que eu quero sem dinheiro?’, pergunta-se o músico (Fotos: divulgação)

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